Como está nosso conhecimento sobre dor atualmente? Uma evolução histórica.

Como está nosso conhecimento sobre dor atualmente? Uma evolução histórica.

 

 

    Desde os primórdios, o Homem sempre procurou entender a dor e procedimentos para buscar certo alívio. Embora a dor seja percebida universalmente, ela possui suas particularidades e pode ser interpretada de forma diferente de acordo com certos aspectos culturais.

    Na PRÉ-HISTÓRIA, a expectativa de vida dos homens era de 40 anos e das mulheres um pouco menor, por isso não tiveram oportunidade de experimentarem a maioria das dores crônicas atuais. povos primitivos faziam rituais de iniciação onde a dor deveria ser suportada para provar seus valores.

O Homem primitivo associava a dor externa a traumas físicos. (Queimadura, torção, cortes…) A dor interna era associada a algum tipo de castigo divino, castigos dos Deuses e pecados. Homens pré-históricos recorriam a superstição e magia para  curar essas dores internas. Acreditavam que preces, feitiços, sacrifícios e o perdão bloqueariam a ação de espíritos causadores de tanta dor. Foi nesse cenário que os xamãs e curandeiros apareceram e ainda aparecem… Quando seus rituais e práticas não davam certo, recorriam ao exorcismo.

    Práticas utilizadas na idade da pedra para o tratamento da dor.

Na Oceania: As pedras quentes eram utilizadas para tirar a dor. Os aborígenes acreditavam que poderiam transferir a dor para objetos, por isso o uso das pedras quentes.

 

   Na África: Trepanações foram feitas para retirar maus espíritos dos corpos de enfermos com dor.

   América: Colocavam as mãos em formigueiros, trepanações no crânios de pessoas com dor de cabeça.

    China: Agulhas em determinados pontos

Cada povo tinha sua maneira de lidar com a dor na antiguidade. Sacrifícios, rituais, oferendas, castigo, eram amplamente utilizados na Antiguidade, Idade Média e no Renascimento.

No século 19 ocorreu um marcante progresso no conhecimento da dor. Foram descritas as funções de raízes ventrais e dorsais e dos tratos longos da medula espinhal e a localização de muitas funções corticais. Foi observado que a dor era um fenômeno de percepção e que  poderia se originar de processos mentais e não somente ser proveniente de uma lesão.  Foi observado eu a dor seria uma sensibilidade independente do tato e de outras sensibilidades.

Os fármacos se desenvolveram nessa época. A morfina foi isolada do ópio, sintetização da aspirina, anilina e a cetanilda foi transformada em paracetamol. A colchicina foi isolada e foi observado que o sulfato de quinino aliviaria os sintomas inflamatórios e a febre da gota.

Outros sedativos e hipnóticos passaram também a ser usados para dor e induzir hipnose, assim como o desenvolvimento de fototerapia, eletroterapia, hidroterapia, termoterapia, mecanoterapia e terapias eletromagnéticas. A Osteopatia foi desenvolvida pelo Doutor Andrew Taylor Still e a Quiropraxia por Daniel David Palmer. O magnetismo animal ou mesmerismo deu origem a hipnose, e os métodos psicoterapêuticos desenvolveram-se amplamente.

O desenvolvimento da anestesia e o melhor controle das infecções foram fundamentais para o desenvolvimento das técnicas de cirurgias modernas. A temperatura foi utilizada para criar analgesia em amputações durante a guerra e a hipnose também foi utilizada para controlar a dor durante cirurgias e terapias antálgicas. O éter, o clorofórmio e a cocaína foram utilizados para extração dentária e cirurgias do globo ocular. A radioterapia também foi desenvolvida e o procedimento passou a ser utilizado para tratar dores intensas e persistentes.

    Neurociência Moderna

No início do século XX e XXI, a fisiologia desenvolveu-se muito bem, exames de imagem e laboratoriais possibilitaram o entendimento sobre o funcionamento do sistema nervoso. O conhecimento de que a dor é percebida pelo cérebro veio de experiências sensoriais, assim como o funcionamento dos neurônios e neurotransmissores em pessoas com dor crônica.

O conhecimento da Anatomia e da Fisiologia progressivamente cedeu espaço para a analise das experiências sensitivas, porém, componentes emocionais foram relegados a planos secundários. Nas primeiras seis décadas do século XX pesquisas apoiavam tanto a teoria da especificidade, como a da intensidade de estímulos. De acordo com William K. Livington, a somação central deveria ser o fator determinante da dor. Os estímulos resultantes da lesão nervosa ou tecidual seriam transferiam transferidos para neurônios internunciais da medula espinhal a ativariam circuitos reverberantes autoalimentadores. A atividade anormal e prolongada acionaria neurônios de transmissão que, da medula espinhal, seriam projetados no encéfalo e gerando dor. A atividade anormal dos neurônios acionaria unidades neurovegetativas simpáticas motoras, produzindo vasoconstrição, aumento da atividade cardíaca e espasmo musculares , que originariam vários outros estímulos anormais, desencadeando um ciclo vicioso.  A sequencia auto-alimentada de dor / anormalidades neurovegetativase motoras / anormalidades estruturadas / promove um aumento da atividade encefálica já elevada em decorrência do medo e da ansiedade evocados pelo sofrimento. A ansiedade, por sua vez, contribuiria para manter a hiperatividade dos neurônios.

Livington concluiu que a fisiologia da dor não deveria fundamentar-se em conceitos mecanicistas. Ele sugeriu que a dor resultaria da ativação dos receptores sensitivos específicos nos tecidos, e que os tratos da medula espinhal que veiculam as sensações de dor e térmicas não seriam os únicos pelos quais os potenciais de ação nociceptivos seriam transferidos rostralmente se serem percebidos, pois essas informações poderiam também ser conduzidas pelas vias indiretas. Sugeriu também que o córtex cerebral não seria o centro real para percepção da dor, outras regiões estariam envolvidas nesse processo.

Ele observou que qualquer definição sobre dor não deveria estar ligado somente a uma lesão ou estado psicológico, pois, a dor seria uma sensação subjetiva, variável e individual de acordo com cada pessoa. Imaginava que lesões envolvendo nervos sensitivos poderiam ser a fonte de irritação constante e que impulsos sensitivos oriundos de um ¨Ponto Gatilho¨ poderiam induzir a atividade anormal nos neurônios internunciais da substância cinzenta da medula espinhal, causando espasmo muscular e anormalidade vasomotoras. Ponderou também que anormalidade no sistema nervoso central poderiam alterar os tecidos periféricos, criando novas fontes de dor e novas reações reflexas.

Johannes karl Eugen Alfred Goldscheider localizou na medula espinhal e encéfalo, os fenômenos envolvidos na piora da dor após a aplicação de estímulos repetidos conhecida como sensibilização central e fundamentou a teoria da somação central de estímulos. Baseando-se nesse princípio, em 1955, D.C. Sinclair e Gordon Waddell propuseram a teoria do padrão periférico da dor, que estabelecia todas as terminações nervosas, ou seja, a dor decorreria da estimulação intensa de receptores inespecíficos.

Graças ao trabalho de Henry Head e Gordon Norgan Holmes publicado em 1911, os conceitos sobre influência modulatória da dor passaram a ser aceitos. Estes autores propuseram que o tálamo seria o centro da percepção da dor e o neocórtex, o centro da percepção discriminativa que modularia as respostas do tálamofrente aos estímulos proprioceptivos. Outros autores propuseram que fibras finas conduziriam a dor lentamente e que as fibras com velocidade rápida inibiriam a transmissão de impulsos dolorosos carreados pelas fibras lentas e impediriam a somação dos impulsos dolorosos.

Em 1965 Rnald Melzack e Patrick David Wall reconsideraram a teoria da comporta, descrita em 1920 por Otfrid Foester. De acordo com a teoria, mecanismos neurais atuando no corno dorsal da substância cinzenta da medula espinhal atuariam como uma comporta, aumentando os reduzindo os impulsos nervosos veiculados pelas fibras nervosas periféricas para os neurônios que original os tratos de fibras que se projetam no encéfalo. A atividade dos tratos de estímulos táteis ou vibratórios fecharia a comporta, enquanto que a atividade das fibras finas ativadas por estímulos intensos, abririam a comporta.

Em 1968, melzack e K. L. Casey ampliaram  a teoria original adicionando o componente motivacional da dor, de modo que as dimensões do processo passaram a ter três componentes: sensitivo-discriminativo, afetivo emocional e cognitivo-avaliativo. O sensitivo-discriminativo seria influenciado pela condução nervosa rápida e pela dimensão afetivo-motivacional. A dimensão afetivo-motivacional seria influenciada pela formação reticular e estruturas límbicas de condução lenta e a dimensão cognitivo-avaliativa seria influenciada pelas experiências pregressas, influenciando em outras dimensões. As três dimensões interagem entre si, influenciando no processamento da dor.

Em 1969 foi observado que estímulos elétricos produziriam diminuição da dor e foi demonstrado em 1975 a existência de receptores de morfina no encéfalo, denominadas de encefalínas. Vale ressaltar que as encefalinas podem ser produzidas pelo nosso corpo através de terapias físicas, prática de meditação e exercícios físicos.

   

    De acordo com a teoria da Neuromatriz da Dor, elaborada por Melzack em 1999, o encéfalo seria dotado de uma rede neuronal que integraria várias aferências, incluindo as memórias de programas genéticos e passados , para gerar  o padrão eferente que evocaria a dor.

Henry Head considerou que a dor era uma qualidade sensitiva distinta e que equivaleria ao calor e ao frio, com intensidade variável de acordo com a intensidade do estímulo desencadeante, enquanto o desconforto seria o sentimento que acompanha as sensações não necessariamente dolorosas, expressado em oposição ao prazer. Na década de 1970, foi acrescentado o modelo biopsicossocial desenvolvido por George Libman Engel, em 1970 a dor passou a ser definida pela IASP como ¨qualidade sensitiva e emocional desagradável, associada ou descrita em termos de lesões teciduais reais ou potenciais.¨

Graças ao anestesista John Bonica em 1950, a dor passou a ser analisada de forma interdisciplinar, sendo adotado o conceito biopsicossocial. em 1909 evidenciaram que a hérnia de disco era a causa de lombalgia e dor ciática, atualmente a hérnia de disco não tem nenhum relação com a dor lombar. Em 1904 o termo fibrosite foi criado, em 1939 o termo ¨dor miofascial¨  foi criado  por Steindler. Em 1954 Hope-Simpson evidenciou que a neuropatia herpética era causado pela reativação do vírus varicela-zoster.  As cefaleias foram classificadas em 1970 e a partir de 1960, a dor crônica passou a ser amplamente reconhecida como uma doença independente e diferenciada.

A dor oncológica deve ser controlada com fármacos, associada a uma abordagem interdisciplinar. Apesar da evolução no tratamento a dor, ainda vemos a mesma ser subtratada, com abordagens equivocadas e unidimensionais, comprometendo todo processo de controle da dor.

O conhecimento da história da história e evolução dos conhecimentos em dor é parte fundamental da formação do ser humano, registrando os grandes progressos ocorridos. Porém ainda há muito o que descobrir, conhecer e  estudar, para que pacientes com dor crônica possam ser devidamente atendidos. A formação de profissionais da área de saúde continua sendo inadequada , a fonte de conhecimento é insatisfatória e os investigadores clínicos não conhecem as diferenças entre dor aguda e dor crônica e muito tratamentos continuam sendo realizados empiricamente.

Bibliografia: Tratado de dor (SBED)

 

 

 

Marcelo Rocha

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